quarta-feira, 17 de novembro de 2010

NATO prepara-se para um século que já não será ocidental

A propósito do programa leccionado no 12º ano em Geografia C, deixo aqui um texto muito a propósito, do jornal Público, sobre questões a tratar na cimeira da NATO em Portugal.


Aliança adopta um novo conceito estratégico para enfrentar novas ameaças de um mundo multipolar.

A versão que vai chegar à mesa dos líderes, na sexta-feira, já só tem alguns detalhes para acertar. A história do conceito estratégico da NATO que será aprovado na cimeira de Lisboa é a história da contínua adaptação da mais poderosa e bem sucedida aliança militar do mundo às profundas mudanças mundiais que ocorreram a partir do fim da Guerra Fria. Criada para enfrentar a ameaça soviética, privada de "inimigo" desde 1991, a Aliança Atlântica iniciou uma "luta pela sobrevivência" que vencerá mais um marco em Lisboa. Adapta-se a um conjunto de novas ameaças que têm em comum o facto de serem difusas, assimétricas, imprevisíveis e que podem materializar em qualquer ponto do globo. Justifica a sua razão de ser num mundo cada vez mais multipolar, em que o Ocidente já não está em condições de ditar as regras do jogo da segurança mundial e em que a cooperação com outros pólos de poder passa a ser a regra.

O exercício de revisão do conceito estratégico foi lançado em Abril de 2009, na cimeira de Estrasburgo/Kehl, que celebrou o 60.º aniversário da Aliança. Passou por um grupo de trabalho presidido pela antiga secretária de Estado americana Madeleine Albright. Terminou nas mãos do secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, que transformou o "relatório Albright" na proposta de um novo conceito que chega a Lisboa já na sua terceira versão. "É já um documento que reflecte de forma equilibrada o exercício de consensualização entre os aliados", disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática em Lisboa.

O consenso entre as duas margens do Atlântico quanto à NATO do século XXI, relativamente fácil de alcançar, deve-se, em boa medida, ao "efeito Obama". "A convergência entre os EUA e a Europa nas questões de segurança internacional é hoje muito grande", diz Álvaro de Vasconcelos, director do Instituto de Estudos de Segurança da UE. "Há um Presidente americano multilateralista cuja visão se aproxima muito mais da visão europeia e que não desconfia da integração europeia e do papel da Europa".

A política de Obama de reaproximação à Rússia e a nova concepção do sistema de defesa antimíssil contribuíram de forma decisiva para resolver os dois principais pontos de fricção entre Europa e EUA. O que é mais interessante, sublinha o director do ISS de Paris, é que esses dois factores tiveram também um efeito de apaziguamento nas divisões entre os próprios europeus, eliminando um "campo de batalha" quase inevitável entre os aliados que ainda viam na NATO a sua defesa contra a Rússia e os que vêem a cooperação com a Rússia como fundamental. "Os aliados do Leste têm hoje uma nova atitude, muito mais convergente com os EUA e com os países centrais da União. A questão que mais dividia deixou de o ser, graças à nova política de Obama."

O conceito "avança de forma irreversível para tornar claro que a Aliança já não tem hoje qualquer legado da Guerra Fria e que vê a Rússia como um parceiro e não como adversário", diz ao PÚBLICO uma fonte diplomática.

O lugar do Artigo 5º

Com este problema resolvido, foi mais fácil negociar um equilíbrio entre a percepção das novas ameaças (e os meios para enfrentá-las), e a preservação da defesa colectiva, expressa no Artigo 5.º do Tratado de Washington. "A credibilidade dada pelo Art.º 5.º continua a ser essencial, nomeadamente para alguns dos aliados de Leste ou para a Turquia. Alguns desses países temiam que a tónica no papel de gestão de crises fragilizasse essa percepção", diz Vasconcelos.

"Tratava-se de resolver uma série de debates que agitaram a Aliança nos últimos anos", diz Camille Grand, directora da Fundação para a Investigação Estratégica de Paris. "Entre defesa colectiva e acção, entre ameaças tradicionais e novas ameaças, entre uma aliança global e uma aliança de vocação regional".

Se é verdade que as novas ameaças podem vir de qualquer ponto do mundo, o próprio mundo, com a emergência de novos pólos de poder, colocou limites à ambição global da Aliança. A ideia de uma "NATO Global" ou do um "polícia do mundo", que correspondeu à face unipolar da América, morreu por si. Hoje, o maior desafio da América é conseguir liderar a profunda reconfiguração do poder mundial através do engagement. Para a NATO, isso quer dizer parcerias, diálogo e cooperação com outras organizações e parceiros internacionais. "A NATO dificilmente poderá agir sozinha", avisa o relatório Albright. Finalmente, foi possível superar (falta apenas os últimos acertos de linguagem) o dilema entre o objectivo de um mundo sem armas nucleares, anunciado pelo Presidente americano no seu célebre discurso de Praga em Abril de 2009 e a manutenção da dissuasão nuclear como a principal garantia de segurança dos aliados. "O conceito reafirma que, enquanto houver armas nucleares no mundo, a NATO continuará a ser uma aliança nuclear para dissuadir qualquer ataque ou forma de coerção sobre os seus membros", diz a mesma fonte diplomática. "Preferiu manter o statu quo", diz Grand.

A NATO não parará de evoluir. Tal como, em 1999, o seu conceito estratégico foi marcado pela guerra nos Balcãs, hoje "ele ainda é muito marcado pela guerra do Afeganistão; é impossível a uma organização como a NATO escapar à guerra que está a travar", diz Vasconcelos. "Este conceito é apenas um passo que ainda não retira todas as consequências da nova realidade mundial". A revista britânica Economist interroga-se: "Conseguirá o novo conceito acompanhar a forma como o mundo está a mudar?"



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